quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Sobre o google ser uma Vila de Potemkin, os Anéis da Web (webRings) e os Youtubers processando informação

 

Quando o marechal Gregório Alexandrovich Potemkin quis impressionar sua amante Catarina, a Grande, levou-a para conhecer uma aldeia falsa na Crimeia em 1787. Tudo ali era fachada para impressionar sua amada com uma falsa cidade, toda bonitinha na frente, mas escondida atrás de um cenário.

É provável que essa história também seja falsa. Não existe evidência alguma de que esses eventos tenham de fato acontecido, mas a vila de fachada é usada hoje para descrever conceitos falsos como o buscador do google. 

Um youtuber fez uma pesquisa escrevendo a palavra "pizza" no buscador da google:

 

Mais de 1.000.000.000 de resultados. Legal né? Seria se não fosse completamente falso.

Fiz a mesma pesquisa e como no vídeo vamos rolando as páginas, empilhadas de 10 em 10. Faça um teste.

Cada página seguinte é mostrada de 10 em 10.

Se você for até o final, verá que não existe 1 bilhão de resultados, mas no máximo 322 ou menos:

Você deve estar pensando: Ok, você precisa repetir a pesquisa incluindo os resultados omitidos. 

Quando fazemos isso, no entanto:

As pessoas começaram a reparar nisso e nomear o google de Vila de Potemkin, pois a quantidade de resultados que o google diz que trazia eram fake. A internet é grande, sem dúvidas há muito mais páginas sobre pizzas e qualquer outro assunto que imaginemos, embora aquela internet primitiva por certo esteja morrendo.

A google, vendo que foi desmascarada em um vídeo viral, retirou a quantidade fake de resultados. Se você fizer uma pesquisa hoje, verá que não aparece mais 1.000.000.000 de resultados.

Eu sinto muita falta de ler blogs e ainda acompanho os raros casos que ainda fazem postagens. Mas o google não os mostra mais nas buscas. É notório que blogs, aqueles antigos e quase nada da antiga web é mostrada no google. Ele suprime resultados com critérios que nós não sabemos.

Você pode comprar relevância nas pesquisas, como faz o Brasil Paralelo ou sites como Canaltech. Portanto, é louvável se você deseja usar outros buscadores. Eu indico o Fuck Off Google. Você pode configurar de onde você quer buscar. No meu caso, eu peço para ele também trazer resultados do wiby.

É claro que você não vai abrir 300 links no mesmo dia, a menos que te sobre muito tempo e vontade. Mas aquele velho antigo conceito de "surfar na web" parece não fazer mais sentido nos dias de hoje e precisamos admitir que era uma coisa muito legal. Hoje em dia, conforme já publicado aqui, a informação nos chega de forma ultraprocessada, de um modo que a gente não consegue lidar com tanta coisa ao mesmo tempo.

Essa matéria da Folha de São Paulo é de 13/08/97. A jornalista fala de um modo até desesperado sobre os anéis da web ou webrings, que funcionava muito bem na internet primitiva, que conforme eu disse anteriormente, hoje está morrendo.

Quem navegou na web naquele tempo, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, provavelmente tem uma lembrança de encontrar um site e através dele encontrar um outro e outro ou até mesmo dentro de um mesmo site surfar em links que te levavam para dentro dele mesmo.

Com o tempo, você tinha salvo em seus favoritos os lugares que você gostava de visitar, acompanhar e todas as vezes que abria a internet visitava mais ou menos as mesmas coisas, mas claro, sempre tinha algo novo a ser descoberto.

Se hoje você fizer, digamos, uma pesquisa pelo YouTube, não é estranho que apareça sempre canais muito parecidos, falando sempre as mesmas coisas, com o mesmo tipo de linguajar, referenciando sempre os mesmos vídeos (normalmente aqueles que se tornaram virais).

Por exemplo, se Borboleta for um assunto de relevância no momento, todos os youtubers falarão da mesma coisa, da Borboleta, referenciando o vídeo ou onde nasceu o assunto Borboleta. É como se tudo já estivesse pronto e definido para você.

Mas nem sempre foi assim. Tudo era como cidades independentes onde escrevíamos o que bem entendíamos sem precisar pensar em algoritmos manipulando tudo. 

Hoje nós nos dobramos aos algoritmos. Os youtubers, que tenho a impressão de já terem sido mais livres no passado, seguem sempre um mesmo ritual. Fazem uma abertura, criam vinheta (que até hoje eu não sei pra que serve), choram seu like, seu dinheiro (mesmo que recebam 6 dígitos em dólares da plataforma), enchem o saco com recadinhos idiotas que ninguém quer saber, fazem uma publicidade da super camisetaider que custa caro porque precisam sustentar 6000 famílias de podcaster, fazem aquela chantagenzinha básica pedindo seu dinheiro pro canal continuar, compartilhamento, inscrição...

Só então entram no assunto do vídeo que de originalidade não tem nada. Você tem a impressão de que já viu outro fulaninho falar quase a mesma coisa que ele. Claro, ninguém precisa necessariamente ser original, mas muitas vezes a crítica já vem baseada na opinião que outra pessoa deu e assim funciona todo o fluxo. Muitas vezes eles começam com fórmulas como "eu não ia falar sobre isso" (na verdade ia sim) porque, cá pra nós, o YouTube induz você a postar o que está dando relevância. 

Além do mais, o YouTube desmonetiza certas palavras feias que todo adulto não pode ouvir não é mesmo? Tipo racismo, estupro, suicídio... 

Na antiga web, não é que a gente encontrasse informação de extrema qualidade. Nada disso. Eu sinceramente não entendo direito como é que parece que as coisas desapareceram de um dia para o outro. Mas até hoje, é importante entender que não precisamos dessas big techs pra criar nada, nem pra opinar. Criadores podem criar sem depender de big tech nenhuma. Só você e seu processo criativo.

Eu sei o que muitos pensam, que eu falo isso enquanto escrevo em um blog do google. Eu concordo, por isso estou dando um jeito de levar isso pra uma página pessoal. Sem dúvidas não precisamos também criar tudo em um local só, embora o blogger seja uma ótima ferramenta, que ainda costuma funcionar como era antes.

Tem o problema de visualização. As pessoas hoje querem viver de internet. Eu conheço pessoas que queriam publicar suas ideias, escrever... Mas não fazem isso porque acreditam que não se expressam muito bem. Eu sou uma dessas pessoas e é pra isso que me presto a escrever. Primeiro porque ainda acredito que blogs funcionam muito bem e depois que eu não preciso me submeter às regras do YouTube pra gerar informação.

Nós nos esquecemos do básico. Aquele básico que funciona, aqueles conceitos que sempre estiveram aí e foram se sofisticando como os anéis da web, mas que atendem muito bem o propósito da comunicação livre (e eu digo livre, sem precisar de uma big tech dizendo o que fazer e o que você precisa ver).

Antigamente, procurávamos livremente por informação pela internet, hoje tem gente que paga um clube de livro só pra receber recomendação de leitura do influencer. Francamente... Você acha mesmo que precisamos disso?

Eu sei que muitas pessoas vão preferir ouvir um conteúdo do que ler. Eu também escuto podcast e entro no YouTube. Mas tenha em mente que a internet é um horizonte muito, muito vasto e há muita informação por aí que vai além das fronteiras do que somente o que o google ou a Meta quer que você veja.

Eu tenho fé que nós não deixaremos a boa e velha internet morrer. Qualquer assunto pode ser escrito e compartilhado, criticado e falado sem nenhuma necessidade que uma big tech processe isso.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Os bloqueadores fakes dos senhores das Big Techs

 

Há muitas dicas espalhadas por aí sobre como transformar o seu smartphone em um dumbphone, que seria uma versão mais antiquada e básica de celular. Inclusive muitas pessoas ainda usam flip phones, aqueles dobráveis e tentam fazer o que podem para rejeitar a conveniência. Acredito que seria bom se alguém inventasse um "caminho do meio", um tipo de celular que atende as nossas necessidades de hoje, mas que não fossem coisas ridiculamente viciantes como essas que temos aí. Tenho fé que um dia isso acontecerá. O que podemos fazer é arranjar um jeito de não gastar nosso tempo zumbificados nesses aparelhos.

Eu já tentei pela força da vontade e não deu certo, então fui na força bruta e trancafiei o celular. Depois de muito esforço eu consegui tirar a necessidade de viver grudada no celular. Contudo, eu já tentei métodos de controlar o uso do celular por aplicativos oferecidos na playstore e até mesmo no próprio app androide, o Bem-estar digital. Nada adiantou, então eu desisti. Se é pra usar a força, então precisamos aplicar algo que funcione e os apps oferecidos hoje são insuficientes.

É uma ironia que o smartphone foi algo feito para nos viciar e ao mesmo tempo você pode encontrar "soluções" pra isso que prometem ajudar, mas a maioria das pessoas, eu aposto que não se beneficia delas porque você pode facilmente burlar. É tudo uma fachada, um fingimento que estão te dando uma solução, mas não estão. O Bem-estar digital, por exemplo, oferece opção tanto para você bloquear algum aplicativo após determinado período de uso estabelecido ou você também pode informar um intervalo de período que alguns aplicativos podem ficar bloqueados. Por exemplo, das 9 às 18. Então ele bloqueia e você desfruta seu dia impossibilitado de abrir esses aplicativos. Seria bom se não fosse burlável. 

Se eles deixassem você bloquear também as configurações, aí eu botaria uma fé que temos algo que se pode usar a força. Caso contrário, se você consegue burlar, então nada ali está realmente bloqueado. Assim é com os stories do instagram. Mesmo silenciando e colocando no final da fila, eles ainda estavam ali, só que com marca d'água pra você acreditar que realmente silenciou. Eu já silenciei todos que eu seguia e ainda sim os stories continuam aparecendo, mas com marca d'água. O whatsapp também te dá uma opção de esconder os stories, mas é só clicar numa setinha e você consegue ver de novo. Ele só retira mesmo as notificações, vai do seu esforço não olhar e sinceramente, eu não acho que deveria estar fazendo esforço com um celular na mão.

Como esse retângulo preto consegue nos dominar completamente?

Me fiz muito essa pergunta até um dia parar de estragar meu psicológico com perguntas das quais sabemos as respostas. Essa coisa está aí para sugar a nossa atenção e eu não vejo muitas perspectivas de mudança tão cedo.

Como repeti muitas vezes, o que eu fiz foi me retirar das redes sociais e não dar login em mais nenhuma delas, por mais bem intencionada que seja. Se o orkut voltasse a existir eu não daria login nele porque acho que essa época já foi. O que vivemos lá atrás não voltará mais a acontecer. O Orkut foi a última rede social humana e nem tão cedo veremos outra aparecer.

Eu não consigo ser como aquelas pessoas que acessam as redes 15 minutos por dia ou que nem entram. É muito difícil reduzir o uso e mediante a tantos escândalos e tanta sacanagem dessas big techs, eu acredito que abandonar o navio é o melhor caminho no momento.

Quem consegue usar esses bloqueadores fake, ótimo. É bom se comportar e não burlar, mas é muito difícil. Eu não tenho soluções mágicas de redução de uso. Não vou sugerir que use bloqueadores se não funcionam e nem dizer pra você encontrar solução dentro do seu próprio celular. Nada disso funcionou pra mim, o que funcionou foi ter usado exercício de respiração, não levar o celular para a cama e arranjar outras atividades. É muito difícil no começo, mas garanto que dá certo.

Solucionismo digital só dá certo no digital. Na nossa vida prática e real, o que temos que fazer é voltar a viver a realidade.

Profissionais de saúde fazendo dancinha



Eu tenho uma amiga nutricionista que durante muitos anos alimentava um perfil no instagram. Era uma pessoa bem ativa e acreditava ser inadmissível deletar sua conta, o trabalho dela dependia muito daquilo. Assim, a rotina dela como profissional era colocar em seu planner os assuntos que ela postaria, reels, stories e carrossel de fotos.

Quando algum boçal aleatório criava polêmica falando algo de errado sobre nutrição, lá estava minha amiga para desmentir, como diversos de seus colegas que se formaram e levavam ciência a sério. Os vídeos davam muita visualização e ela sempre conseguia novos clientes. Fazia lives com outros influencers de mesma profissão e assim um divulgava o outro e tratavam de assuntos conforme suas especialidades.

Mas um dia, algo deu errado e a saúde mental da minha amiga colapsou. Ela teve um burnout bem feio, precisou ser medicalizada. Ela ficou pensativa sobre o que havia de tão errado assim, já que levava uma vida muito tranquila, ia cedo para o consultório, atendia, às vezes passava do horário, mas nada que a deixasse cansada demais, ela sabia lidar bem com isso. Ela estuda bastante, é verdade, mas isso nunca foi um grande problema, ela gosta do que faz. O que havia de errado? 

Minha amiga trabalhava muito em suas redes sociais e de graça. Isso a fazia acumular mais seguidores que clientes. É bem verdade que a agenda dela ficava cheia, mas isso, de acordo com ela, não se diferenciava muito do que ela fazia antes de ter uma conta no instagram. 

A informação que ela lançava atingia lá uma grande quantidade de visualizações, mas isso tinha um custo porque quem curtia recebia conteúdos não só dela, mas ligados aos assuntos que ela tratava. Ou seja, ela contribuía pra inflar a bolha algorítmica para que o instagram leiloe publicidades. Ela estava trabalhando de graça para o instagram aprender e gerar conteúdos para os usuários que nem eram dela. Então ela tomou uma dura decisão que foi deixar o instagram e alimentar o seu site pessoal. Ela ficou surpresa porque não mudou muita coisa. Ela não precisa mais trabalhar de graça e nem fazer dancinha pra alavancar seguidores, só precisa pagar um anúncio que o google encaminha seu site por região.

Ela reclamava muito da carga emocional que certas coisas traziam a ela. Um exemplo disso é quando algum desocupado charlatão fala besteira e os profissionais sérios o desmente. Eu penso: isso nunca vai parar? Sempre vai ter um maluco falando bobagens sobre alguma coisa científica e um profissional estará de prontidão pra desmentir (e vai perder)? Mas se estamos falando de rede social, esse tipo de atitude vale a pena e quando minha amiga fazia isso, muita gente não gostava e fazia comentários que, como sabemos, pessoalmente não teriam coragem. Por mais que a gente tenha sangue pra aguentar, nem sempre essas coisas passam despercebido e podem nos deixar abalados em algum nível.

Mas quem decide ser amigável com você apenas por ética? Quando se trata de rede social, a polêmica e o engajamento vale muito e isso seguramente levará dinheiro e publicidade aos envolvidos. Se me perguntam se tenho algo contra que um profissional formado faça dancinha, eu vou dizer que não. É evidente que as pessoas fazem o que bem entendem de suas vidas e com seus diplomas. Mas é preciso também sempre pensar e muito os custos disso no presente e no futuro. Você realmente precisa mesmo se submeter ao que um algoritmo quer pra ganhar dinheiro? Acho que a parada de lutar por condições mais dignas de trabalho é muito mais válido.

De repente todo mundo aceita que essas big techs tenham o monopólio de toda a comunicação, acreditam que é indispensável não ter rede social e quando tem, sabem que os conteúdos que mais geram visualizações são aqueles que contém polêmica, dancinha, brigas e por aí vai.

Eu já abandonei cursar em locais que não te dão escolhas e jogam na sua cara que se você não tiver rede social, não vai saber o que está acontecendo. Já parei de praticar Muai Thay em uma determinada academia porque eu não tenho conta no Instagram e era o único meio que eles davam de saber dos horários e avisos de quando não haveria aula. Sempre publicavam nos stories deles e eu não preciso passar por esse tipo de estresse.

Às vezes precisamos sair um pouco da conveniência para não virarmos escravos dos desejos de um. Quem sabe o que ganho escrevendo um blog que sei que quase ninguém lê. Mas eu tenho fé que no futuro as coisas podem sempre mudar e nós encontraremos uma saída.

domingo, 7 de julho de 2024

Quem realmente vai largar as redes?


Fotografia de Joseph Szabo
  Tenho lembranças ruins de drogas porque eu já bebi muito nessa vida e também fui fumante. Parei de fumar em dezembro de 2012, quase 12 anos, portanto. Também já fui aquela jovem maconheira e inconsequente, que não ligava muito para o que fosse acontecer comigo. O negócio era viver, curtir e isso que importava.

Assim minha vida foi passando e eu me dei conta que nada mudava. Não havia ganho nenhum em manter vício, só gastava dinheiro e ficava doente. No dia seguinte eu precisava trabalhar, já que as contas pra pagar nunca dão folga. Viver sempre no prazer, com emoção com cigarros e bebidas, isso era legal, mas em algum momento deixou de ser.

Se a gente notar bem nos filmes e séries, bebida alcoólica sempre está envolvida. Os personagens legais e descolados parecem não ligar muito para o que vão comer, mas gostam bastante de beber. Aliás, a comida deles quase nunca é tão boa, eles comem tranqueira e não se importam com o resto. James Bond mesmo, o 007 tem alcoolismo severo, de acordo com pesquisadores da Universidade de Otago e não aguentaria nem ficar de pé pra cumprir suas missões. Se algum evento exigir alta performance de alguém como correr longas distâncias, lutar, levantar cedo, viajar, etc, o comportamento deve ser exemplar, comer bem, se exercitar todos os dias e evitar bebida e cigarros. E nem pensar que eles teriam aqueles corpos sarados.

As companhias de cigarro até pagam para influenciadores de grande alcance fazer publicidade de produtos como o cigarro eletrônico. Eles miram sempre no público jovem porque é muito difícil convencer uma pessoa mais velha a fazer qualquer coisa. Eles são as forças por trás da rebeldia do jovem crer que está sendo um outsider fumando, bebendo e usando drogas, mas na verdade é só um boneco de vodu das grandes corporações que precisam de lucro. As pessoas legais do seriado estão bebendo e fumando. Estão comendo mal, tomando vodka no café da manhã e fazendo algo com o cigarro na mão. O herói da história, o mocinho, normalmente não é o cara que acorda cedo, faz exercício, se alimenta bem, não fuma, não bebe e cuida de sua aparência. Ok, acordar cedo não significa grande coisa e a maioria de nós não acorda cedo porque quer, mas sair do sedentarismo, se alimentar bem e evitar esses hábitos de beber e fumar é desejável pra vida de qualquer pessoa, sobretudo aquelas que vão saltar de um trem pra caçar um bandido.

O que quero dizer com esse post é que essa imagem do cara rebelde que vai contra a sociedade, que fuma e bebe, foi construída ao longo de anos para convencer a gente a fumar e beber. No século XVIII, o cigarro era muito atrelado às classes sociais. Aqueles senhores da aristocracia eram as pessoas que tinham acesso ao fumo e portanto, era visto como um símbolo de boa colocação social. As bebidas alcoólicas também eram dadas socialmente dessa maneira. Inclusive as bebidas alcoólicas e o fumo resistiram bem a guerra às drogas porque os homens brancos bem nascidos não queriam que ela fosse proibida.

Nos dias de hoje, as redes sociais são aquelas coisas que todo mundo ainda tem e no caso da geração z, já nascem vivenciando isso com a condição de que é normal ter rede social. As pessoas reclamam do twitter, que é uma insanidade onde se propaga tretas e quebra-pau sem sentido, mas não saem de lá. Claro, há quem diga que trabalha e não pode ficar sem, mas se o twitter perdesse a atenção, essas pessoas seriam forçadas a saírem de lá. E o foco desse post não é quem trabalha com rede social, mas sim a maioria que reclama, mas continua lá. Sabem que tem algo de errado mas acreditam que não podem ficar sem, precisam estar logado. Reclamam da vida boa que todo mundo leva no instagram com viagens e sei mais lá o que, mas são incapazes de sair de lá. O instagram, aliás, essa rede que se tiktokizou, o grande problema pra mim é mostrar pouco do que a gente realmente quer ver e entuchar o feed com publicidade e tolices que prendem nossa atenção, videozinhos curtos de gente estranha fazendo coisa esquisita.

Na minha opinião, os verdadeiros rebeldes à sociedade são aqueles que podem dizer não a coisas que causam problemas. Eu aqui sempre acho uma boa ideia deletar as redes sociais, mas não posso obrigar ninguém a fazer, embora incentive. É sempre bom viver sem estar exposto. No momento que escrevo esse texto, quero saber qual será o próximo viralismo, a próxima polêmica, quem a internet dará fama, pelo bem ou pelo mal. Isso é algo normal nas redes sociais, os assuntos se tornam polêmicos, entram em alta e caem no esquecimento. A Choquei volta a ser o que era antes, Pablo Marçal fica mais famoso do que nunca e nem sendo condenado pela justiça, figuras como Renato Cariani deixam de ficar em alta. 

É o preço que se paga por aceitar todas essas coisas controladas por grandes corporações e não por nós. A única solução que vejo é sair. Já fui do partido de que era possível controlar e não acessar, mas eu estava enganada. A única solução é deletar e parar de dar atenção a esse monte de bobagem.


***ATUALIZAÇÃO***
No dia 07/07/2024, esse post foi ao ar e eu não sabia que Pablo Marçal se tornaria candidato à prefeitura de SP, com expressiva quantidade de votos. Ele quase foi para o segundo turno!
Ele mesmo compartilha bobagens nonsenses na página dele para que o conteúdo seja viralizado.
Nesse vídeo, ele explica que joga informação falsa de propósito para ser corrigido e assim fazer o vídeo dele viralizar.
Sei que ocupo um lugar de irrelevância imensa insistindo em blogs, mas não vejo jeito melhor de trocar informação que não tenha sido processada e influenciada por um algoritmo. Compartilhar vídeo de pessoas como ele, é perigoso. Está na hora de todos percebermos que os influencers que fazem o modelo de react só querem ganhar dinheiro, não possuem nenhum compromisso sério com mudanças significativas.

 


sexta-feira, 5 de julho de 2024

Informação ultraprocessada

 Estava lendo o blog do Carl Newport e vi que ele trata o conteúdo da internet que chega até nós como "ultraprocessados", o mesmo termo usado na comida junk food. Esse conceito de informação ultraprocessada está sendo usado pra definir como as big techs definem o jeito que as informações devem chegar até nós, de uma forma bem reduzida e trabalhada para que vejamos somente aquilo definido pela bolha algorítmica. 

Ou seja, a informação é escolhida e processada, chegando até você é o que o algoritmo quer que você veja, e não propriamente dito o que você quer. A comida ultraprocessada não substitui a comida de verdade, mas ela é conveniente. É rápida, simples e gostosa, porém, nosso corpo não tem grandes capacidades de lidar com ela, tal como nosso cérebro não tem muita aptidão pra lidar com tanta informação. Acaba no mais absoluto esgotamento.

Temos acesso hoje a uma grande quantidade de informação, nem sempre com qualidade. O linguajar falado pela internet parece sempre igual, você procura tudo sobre um determinado assunto e, se você usar o buscador do google, ele não vai te oferecer nada além de coisas muito obvias, colocando em ordem primeiro alguns sites que pagam pra ter relevância na pesquisa.

Um dia ainda escreverei sobre a dopamina. Eu fico muito revoltada que todas as vezes que procurei saber sobre vício em redes sociais através do youtube, achei curioso que todos os canais falavam sempre de dopamina. Deu até desânimo. Basicamente aqueles engravatados do Vale do Silício criam todos os problemas causados pelas redes sociais e nos vendem a informação de que esse mesmo problema não é por conta de uma série de fatores, mas sim porque estamos "viciados em dopamina", o que é um completo absurdo. Mas as informações estão aí, sendo ultraprocessadas e chegam até nós da mesma maneira e de muitas formas.

A pesquisa do instagram te mostra coisas infinitas sobre o mesmo assunto. Se você curtir uma página sobre yoga, o instagram vai te recomendar infinitamente tudo sobre yoga e tornar uma infinidade de coisas relevantes, menos daquela página que você curtiu no início e queria ver. Provavelmente você ficará fechado com as informações ultraprocessadas que eles querem que você veja para te vender algo.

Youtubers postam suas fontes de pesquisa confiando que todos vão ler, mas a maioria sequer abre. Confiam 100% no que o indivíduo está alegando e assim vão formando opiniões que não necessariamente expressam a verdade. E o youtube ainda te cobra por isso. Ou você paga ou ficará vendo publicidade do jogo do tigrinho.

Eu não sei como solucionar isso e talvez nem tenha solução. O que podemos fazer é tentar ler mais e nos esforçar pra procurar informação. Voltar a ler blogs, encontrar vídeos honestos, ler as fontes, relaxar um pouco e parar de pesquisar por tanta informação. Sabemos como essas big techs jogam um jogo sujo por dinheiro e eu parto do princípio de que se você acha que tem alguma coisa errada, então provavelmente tem.  

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Blogs eram mais autênticos - vamos ter esperança que um dia eles voltem



Eu me perguntei muitas vezes se não estava sendo uma pessoa nostálgica ao constatar um dia que a internet era mais legal num passado nem tão distante. A gente lia blog com bastante paciência e ainda ficávamos ansiosos e felizes quando nossos blogueiros e blogueiras preferidos faziam posts novos.

Tudo foi suprimido pelas redes sociais e muitos desses blogs se dissolveram em canais de YouTube ou páginas de Instagram. Assim, os blogs foram derrotados, não sei se pra sempre, mas não são mais o que já foram ontem.

Não sou dada a teorias de conspiração, como aquela que diz que a internet está morta desde 2016 e hoje tudo está tomado por robôs e IA. Tem seu sentido, mas a internet ainda é majoritariamente composta por pessoas. Mas um fato que eu concordo, é que a internet era mais legal, ao menos nos anos 90 pra quem acompanhou um pouco e no início dos anos 2000, a era dourada dos blogs e gifs.

Mas o que aconteceu?

Eu não vou ficar citando milhares de fontes sem fim, afinal, temos muitos livros e teorias que explicam como os algoritmos têm mudado o comportamento das pessoas. Eu sempre me deparo com notícias bizarras como o aumento de cirurgia de pessoas querendo ficar igual ao filtro do Instagram. Ou um bando de gente ensandecida, dominadas por um robô aleatório de algum grupo do Telegram tocando o quebra lá no palácio do planalto. Podemos falar de pessoas que postam foto de todos os momentos de suas vidas ao invés de se concentrarem no que estão vivendo. Não vou dar lição de moral, há tempos deixei de me importar com isso porque tenho fé que hora ou outra isso vai cansar e as pessoas perceberão alguma coisinha errada, seja lá qual for.

Os algoritmos dominaram toda a nossa linguagem e esmagaram as nossas memórias. Ninguém mais fala com autenticidade, sempre existe algum imperativo misterioso que comanda nossas opiniões e atitudes, mesmo que a gente pense que não. Por exemplo, tomar muito cuidado ao tratar de um determinado assunto e acabar não se expressando como realmente queria se expressar. Falar sempre as mesmas bobagens que ouviu em algum lugar e não tomou o cuidado pra saber se aquilo tem fundamento, são verdades proclamadas apenas na internet.

Posso citar exemplo sem me importar muito com as consequências, afinal, eu nunca tive relevância digital e mesmo que tivesse falaria igual. A tal da dopamina que todos falam sobre o fator único de vício e na verdade ela por si só não explica nada sozinha. É um conjunto de comportamento complexo que precisamos mudar. Você não pode controlar a dopamina, esqueça essa explicação. Tem um psicólogo picaretão que circula aí em podcasts que insiste em falar sobre dopamina e vive o dia todo postando alguma coisa em suas redes sociais. E é ele mesmo que posta sim, já que ele grava stories e produz lives ratificando suas bobagens. Mas eu não quero retomar esse blog pra entrar nessa questão.

As redes sociais mudaram muitas coisas. Os algoritmos predatórios induzem você a postar o que eles querem que você poste e transforma um assunto em viral pra sugar o máximo da sua alma. Em uma polêmica mentirosa inventada por alguém aleatório, antes das histórias se confirmarem fraudes, já circulou muito dinheiro. Depois, essas polêmicas são esquecidas, as pessoas envolvidas voltam às suas vidas digitais com mais seguidores e visibilidade e tudo é esquecido. Na internet de hoje, tudo vira hit e se dissolve em tempo recorde.

Eu fui muito ingênua quando criei esse blog em 2016, confiando que era possível reduzir o tempo de uso das redes sociais. Isso é possível pra poucas pessoas, a maioria fica no campo da tentativa mesmo. Em 2016, eu deixava muito claro nos textos que eu escrevia, que não estava falando para pessoas que não viam problema em gastar horas no Facebook. Hoje em dia, eu escrevo para essas pessoas, porque eu já nem consigo encontrar quem não veja problema em passar horas e horas logado numa rede com o celular na mão.

Meu jeito de escrever mudou muito, eu pesquisei mais, li outros livros, conversei com mais pessoas e acabei excluindo minhas redes sociais porque esse foi o melhor caminho. Em 2016, percebi que era impossível me concentrar na leitura, sendo que ler é meu hobby. Não aconteceu somente comigo, muitos amigos e pessoas que conheci ao longo desses anos reclamaram da mesma coisa. Assim, se antes eu partia do princípio que o tempo nas redes sociais deveria ser reduzido, hoje eu acredito fortemente que vale a pena não ter rede social. Tenho ciência de que ainda vamos demorar muito pra entender que não precisamos de rede social nenhuma, mas tenho fé que esse dia chegará.

Eu vi um vídeo de uma moça no Tiktok  questionando o que aconteceu com as blogueiras. Vou deixar o vídeo aqui pra você não ter que abrir o TikTok:

Eu não uso TikTok. Nunca fiz login lá, mas ainda consigo assistir os links que me mandam. Essa moça diz, resumindo que gostava das blogueiras antes porque elas escreviam pouco sobre um produto e vendia. Hoje, gastam 40 minutos fazendo vídeo no YouTube falando sobre determinado produto. Isso é um pouco óbvio. Na internet predatória de hoje, é preciso produzir conteúdo e esses conteúdos longos garantem monetização. Eu nunca consumi nada vindo de blogs, mas já me interessei por diversos assuntos que não conhecia porque li em algum blog. Por exemplo, eu conheci os filmes do Tarkovsky através de resenhas de blogs. Stalker é um de seus filmes mais importantes, baseado no livro de mesmo nome dos irmãos Strugatsky, tem 3 horas de duração e é em ritmo lento. Se você não acelera vídeos e ainda consegue se concentrar em filmes de ritmo lento, vale a pena assistir.

Na época dos blogs, nós éramos autênticos. Soava mais verdadeiro ver fotos com determinados assuntos porque você tinha que perder um certo tempo para publicar. A gente não tinha acesso a todas as informações, as opiniões eram genuínas, sem imperativos algorítmicos ditando como falar e o que falar. Hoje em dia, tudo parece sofrer ataque de clones, profissionais de saúde fazem dancinhas, criam reels muito parecido com o que milhares de outros fazem e vão repetindo esse comportamento memético.

Os vídeos no YouTube sempre são iguais. O sujeito abre o vídeo, fala alguma coisa, fica esmolando like, pedindo seu dinheiro mesmo o AdSense pagando a ele em dólar, roda uma enigmática vinheta que a gente nunca sabe porquê está ali, faz uma publicidade da insider e finalmente, depois de 3 minutos entra no assunto do vídeo. E sempre da mesma forma que outros fazem, voz adocicada, passando alguma coisa na tela pra você prestar atenção e falando blablablás que outras centenas de pessoas iguais a ele também falam, da mesma forma, tudo igual.

Claro que eu não serei tão dura. Há pessoas que produzem bons conteúdos e até acompanho muitas delas. Mas vamos reconhecer que não existe originalidade nas ações, é sempre mais do mesmo porque eles repetem o que funciona, o que dá certo. O que funciona é o que um algoritmo quer.

Quando há monetização em jogo, é claro que todo mundo vai se tornar, ainda que de forma bem moderada, predadores de atenção.

Estou retomando esse blog para compartilhar meus pensamentos e descobertas, que hoje não estão baseadas no que acontece nas redes sociais. Eu não vou polemizar quando tiver big brother, não vou falar do assunto do momento e nem ficar revoltada com o senhor Elon Musk. Isso pra mim é irrelevante, tudo vai passar, de algum jeito vai passar. As pessoas se revoltam com o que estão vendo nas redes sociais e no x/twitter, mas não saem de lá. Mesmo quem não vive de rede social insiste no argumento de que há pessoas que trabalham com redes sociais. Ok… Deixariam de trabalhar se não tivessem mais audiência. As redes esmagaram os blogs e o formato como eram antes, acabou. É possível que nunca mais volte a ser como antes, ver coisas autênticas e sem um algoritmo por trás. Muitos textos hoje em dia são produzidos por IA. Além do mais, até mesmo quem tem comércio e vive de divulgação em rede social, deveria pensar por qual motivo está deixando que uma big tech monopolize tudo. O dia que essas big techs decidirem que não haverá mais rede social, como fica?

Esse blog está sendo reativado e escrito na esperança de que um dia as coisas não necessariamente voltem a ser como antes, mas que ao menos tenhamos algum espaço onde possamos nos expressar sem ter sido corrompido por um algoritmo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

As redes sociais tornam a política impossível

O texto a seguir é do argumento nove do livro "Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais", de Jaron Lanier.
Aproveitem a leitura enquanto é possível!




QUEIMA DE ARCO
Havia um arco moral na história, evidenciado por Martin Luther King, Jr.: a justiça se tornou mais ampla com o passar do tempo. Em determinado período, escravos foram libertados; em outro, mulheres passaram a votar; depois, a população LGBTQ conquistou direitos e respeito. A democracia se espalhou por um número cada vez maior de países.
Recentemente, na era Bummer [NOTA: o autor chama de Bummer todas as redes sociais que buscam manipular o comportamento dos usuários, como Facebook, Twitter, Instagram, Yelp, Huffpost, e afins, ou como ele mesmo diz "Impérios de modificação de comportamento"], o arco está mostrando sinais de que vai desmoronar de maneira fragorosa. Não há apenas retrocessos à medida que subimos no arco, mas quedas impensáveis, catastróficas.
Nos últimos anos, Turquia, Áustria, Estados Unidos, Índia e outras democracias elegeram líderes de tendência autoritária cujo poder se apoia em tribalismo. Em cada caso, a Bummer exerceu um papel proeminente. Espero, sinceramente que, os nossos tempos sejam lembrados como um pequeno erro de trajeto em uma progressão até então suave para um mundo mais democrático.
Mas por enquanto enfrentamos uma crise assustadora e repentina. Antes da era Bummer, o raciocínio geral era de que, depois de se tornar democrático, um país não apenas continuava democrático como fortalecia cada vez mais seus valores em prol da democracia, porque seu povo exigia isso.
Infelizmente, isso deixou de ser verdade, e esse fenômeno só foi ocorrer há bem pouco tempo.
Algo está afastando os jovens da democracia. Apesar das autocongratulações otimistas das empresas de mídia social, parece que quando a democracia enfraquece, o mundo on-line se torna um antro de feiura e desonestidade.
A correlação pode ser ainda mais forte em regiões em desenvolvimento. O simples acesso à tecnologia de informação, como a capacidade de enviar mensagens por telefone, provavelmente contribuiu para a maravilhosa e histórica redução da pobreza extrema no mundo ao longo das últimas décadas. Porém, mais recentemente, a mídia social comercial apareceu e os telefones se tornaram propagadores de uma violência social maníaca.
Uma das maiores catástrofes dos direitos humanos no mundo - que se desenrola enquanto escrevo - é o drama da população rohingya em Mianmar. Pelo que se constata, essa crise correspondeu à chegada do Facebook, que foi rapidamente inundado por posts ofensivos direcionados contra os rohingya
Ao mesmo tempo, mentiras sobre rapto de crianças - nesse caso principalmente no WhatsApp, do Facebook - desestabilizaram partes da Índia depois que viralizaram. De acordo com um relatório das Nações Unidas, as redes sociais também são uma arma maciçamente mortal, literalmente, no sul do Sudão - por causa dos shitposts.
Autores misteriosos enchem os feeds das redes sociais de alegações bizarras de maldades - como se fossem variações do libelo de sangue - supostamente perpetradas por um grupo-alvo. Os memes para estimular genocídio com frequência relatam algo terrível que dizem ter sido feito a crianças. Como sempre acontece com a Bummer, as mensagens mais horríveis e mais paranoicas recebem mais atenção, e as emoções crescem de maneira desordenada como um subproduto do engajamento que cresce descontroladamente.
Todas essas regiões tiveram problemas antes. A história está repleta de políticos estranhos, maus ou loucos. Também está cheia de histerias coletivas e ilusões de turbas violentas. E de países que fracassam. Estamos realmente em tempos excepcionais?
Só futuros historiadores poderão dizer. A mim parece que algo deu errado e ganhou um caráter sinistro em nosso mundo, e isso aconteceu de repente, nos últimos anos, com a chegada da Bummer. Não é que estejamos vendo horrores sem precedentes - eles têm precedentes -, mas que o precioso arco da melhora se reverteu. Estamos degringolando de maneira terrível e repentina.
A história típica das redes sociais na política é assim: um grupo de jovens modernos e instruídos entra em uma plataforma primeiro, porque essas coisas saem do mundo moderno, jovem, instruído. Eles são idealistas. Podem ser progressistas, conservadores ou qualquer coisa. Eles querem sinceramente que o mundo seja melhor. Isso vale tanto para os tecnólogos que fazem uma plataforma Bummer quanto para as pessoas no mundo que a usam.
São bem-sucedidos no começo, com frequência obtêm sucessos espetaculares, maravilhosos, mas depois tudo azeda, como em um passe de mágica. A Bummer acaba alimentando mais imbecis gritalhões e trapaceiros do que para os grupos iniciais de idealistas modernos, jovens instruídos, porque a longo prazo a Bummer é mais apropriada à manipulação sorrateira e malevolente do que a qualquer outro propósito.
Por sua própria natureza, sem que haja um plano maligno em marcha, a Bummer estuda os idealistas do início e cataloga suas peculiaridades. Os resultados têm o efeito não intencional de alinhar os idealistas de modo que a eles possam ser direcionados shitposts que estatisticamente os tornam só um pouco mais irritáveis, um pouco menos capazes de se comunicar com pessoas diferentes, portanto um pouco mais isolados e, depois de tudo isso, um pouco menos capazes de tolerar políticas moderadas ou pragmáticas.
A Bummer está minando o processo político e machucando milhões e milhões de pessoas, mas muitas dessas mesmas pessoas estão tão viciadas que tudo o que elas podem fazer é exaltar a Bummer porque podem usá-la para reclamar das catástrofes que a própria plataforma acabou de provocar na vida delas. É como a síndrome de Estocolmo ou como estar preso a um relacionamento abusivo por cordas invisíveis. Os idealistas amáveis do início perdem, o tempo todo agradecendo à Bummer por como ela os faz se sentir por como os uniu.


PRIMAVERA ÁRABE
A Primavera Árabe foi uma ocasião para autocongratulações sinceras no Vale do Silício. Na época, reivindicamos aquilo como sendo uma glória nossa. A "Revolução do Facebook" e a "Revolução do Twitter" foram tropos comuns na época
Nós nos juntamos diante de telões para assistir aos jovens na praça Tahrir, no Cairo, enfrentando um governo despótico e nos apaixonamos. Comemoramos quando cidadãos comuns usaram as redes sociais para dizer às forças da Otan onde mirar seus ataques aéreos. As redes sociais puseram um exército moderno na ponta dos dedos de usuários comuns.
Outras revoluções já haviam acontecido, mas algo era diferente dessa vez.
Não havia nenhuma figura carismática em particular, por exemplo. Não havia nenhum George Washington ou Vladimir Lenin. Achamos que ali estava uma revolução verdadeiramente do povo. Não havia generais debruçados sobre grandes mesas com mapas enquanto subordinados ao redor se movimentavam apressados. Não havia nenhum manifesto unificado, nenhum acordo geral nem mesmo uma discussão especialmente focada no que viria depois da revolução. O termo "democracia" foi lançado, mas houve pouca discussão sobre o que significava. A democracia foi confundida com uma tênue fé de que a dinâmica coletiva on-line levaria a um mundo melhor. Uma revolução auto-organizada não poderia dar errado. Achamos que ali estava a realização de nossa fé nas redes de comunicação.
Eu, particularmente, não tive tanta certeza assim. Alguns amigos ficaram irritados comigo quando perguntei: "Onde todos esses garotos vão conseguir emprego?" Ou, ainda pior: "Será que o Twitter ou o Facebook vão arrumar emprego para esses garotos?" Também reclamei que uma revolução pertencia àqueles que a realizavam e que era errado associá-la a nomes de empresas do Vale do Silício.
Bem, ninguém arranjou emprego para eles e, de fato, não havia ninguém por perto para reivindicar o poder no Egito com coerência além de extremistas teocratas, que em seguida foram expulsos por um golpe militar. E quase nenhum dos jovens inspiradores que protestaram tem um emprego decente.
O que as redes sociais fizeram na época, e o que sempre fazem, foi criar ilusões: de que é possível melhorar a sociedade apenas pela vontade, de que as pessoas mais sãs serão favorecidas em disputas difíceis; e de que, de algum modo, o bem-estar material simplesmente surgirá.
O que na verdade acontece, sempre, é que as ilusões se desfazem quando já é tarde demais, e o mundo é herdado pelas pessoas mais rudes, mais egoístas e menos informadas. Quem mais se machuca é qualquer pessoa que não seja uma babaca.
Portanto, eu era o cético, mas o que se constatou foi que meu ceticismo nem de longe era o bastante. Ninguém quis associar a marca de sua empresa de tecnologia ao que aconteceu em seguida.
Já houve reações a revoluções antes, bem como apropriação e corrupção de revoluções, reinados de terror e muitas outras disfunções. Mas algo foi diferente dessa vez.
Um fenômeno disseminado de terror niilista em rede se espalhou violentamente. Jovens estavam assistindo aos vídeos mais horríveis, sádicos, transmitidos para eles por empresas do Vale do Silício, e a dinâmica foi como pornografia. Os garotos se tornaram viciados em atrocidades. Isso com certeza já acontecia com bastante frequência, mas antes era organizado. Gangues já haviam controlado muitos campos de extermínio da história, mas agora indivíduos estavam se "autorradicalizando".
Um personagem masculino solitário se tornou familiar, empertigando-se em um mundo inventado, limitado pelas ilusões mais mesquinhas, cheio de uma raiva insegura.
Mas a fé do Vale do Silício na rede social como ferramenta de melhoria da sociedade não foi abalada. Ela ainda vive em mim. Enquanto escrevo, no primeiro dia do ano de 2018, o regime iraniano está bloqueando as redes sociais para suprimir protestos que estão estourando no país. Uma voz dentro de mim clama: "isso! Isso! A tecnologia on-line está ajudando pessoas a se organizar, e elas terão a inteligência de contornar as tentativas de impedi-las."
Não quero desistir dessa esperança. Nenhum de nós quer. Mas as evidências até agora não são animadoras.


GAMERGATE
Fiquei animado quando mulheres começaram a falar na comunidade dos games. O mundo dos games é maravilhoso em muitos aspectos, mas realmente não está fazendo jus ao seu potencial. Os games deveriam estar se tornando a nova maneira de aprendermos e falarmos sobre questões complicadas. Isso até acontece em uma pequena proporção, mas as maiores produções tendem a mirar repetidamente no mesmo grupo demográfico. Você recebe armas, atravessa um terreno e atira em alguma coisa. Vez após outra. A indústria precisa expandir seus horizontes.
Programadores que acharam que os games deveriam se ampliar dessa maneira fizeram uso das redes sociais para comunicar suas ideias e criaram um movimento vibrante, distribuído. Eles ganharam atenção e dava para sentir a atmosfera mudar um pouco. Muitos desses programadores eram mulheres.
O que aconteceu em seguida foi uma versão "primeiro mundo" daquilo que ocorreu com a Primavera Árabe. A reação foi impressionantemente extrema e desagradável, de uma ordem de grandeza diferente daquilo ao qual estavam reagindo.
Mulheres que falavam sobre games foram atacadas de maneiras cruéis que se tornaram, desde então, uma rotina pavorosa. Elas foram bombardeadas com imagens falsas delas próprias e de suas famílias sendo assassinadas, estupradas e assim por diante.
Suas informações pessoais foram divulgadas, forçando algumas mulheres a se esconder.
O movimento para destruir os críticos do mundo dos games foi chamado de "Gamergate". É impossível falar com algum apoiador dessa iniciativa, porque eles vivem em um universo alternativo de teorias da conspiração e em emaranhados densos de argumentos estúpidos fomentados pelas ilusões mais mesquinhas, explodindo de uma raiva que é puro fruto da insegurança.


LGBTQ
Nos anos imediatamente anteriores à eleição de 2016 nos Estados Unidos, leis sobre questões LGBTQ começaram a mudar. O casamento de pessoas do mesmo sexo foi legalizado, transsexuais se expuseram mais e foram mais aceitos. As redes sociais sem dúvida desempenharam um papel nisso.
Mas esse foi apenas o primeiro estágio do processo de degradação da Bummer. Pode-se dizer que foi a lua de mel da máquina. Pessoas bem-intencionadas venceram uma etapa historicamente suave da luta, e parecia que qualquer nível de melhoria da sociedade com o qual se pudesse sonhar seria de fácil alcance.
Isso é como uma onda de heroína, conforme me foi descrita; uma explosão de êxtase incrível, fácil, depois da qual você inevitavelmente desaba de maneira catastrófica.
O estágio seguinte da política Bummer é aquele em que os babacas percebem que são favorecidos pela máquina. Aparece todo tipo de idiota. Eles recebem tanta atenção que passam à frente das pessoas bem-intencionadas que acabaram de conquistar suas vitórias. Desenterram preconceitos e ódios que passaram anos sem ver a luz do dia e tornam esses ódios a tendência dominante.
Depois acontece de babacas ainda maiores manipularem os babacas do início. A partir daí, coisas terríveis entram em cena. Imbecis pavorosos, gigantes, são eleitos, projetos xenofóbicos estúpidos são exaltados, pessoas comuns sofrem enormes perdas materiais desnecessárias, em uma conjuntura propensa a conflitos e guerras.
No caso dos Estados Unidos, figuras anti-LGBTQ incrivelmente radicais foram alçadas aos mais altos cargos, embora a dignidade e as questões de direitos LGBTQ nem sequer tenham sido discutidas durante as eleições.
Não é que a Bummer desfavoreça os LGBTQ. Na verdade, ela não se importa nem um pouco, apenas favorece trapaceiros e imbecis.


NEM ESQUERDA NEM DIREITA, PARA BAIXO
A Bummer não é progressista nem conservadora; é apenas a favor da paranoia e da imbecilidade generalizadas. 
Lembre-se, a Bummer não é assim no começo. No início, os primeiros membros, ainda na fase de estruturação, parecem receber um impulso. Porém, depois que essas pessoas decentes são categorizadas, investigadas pelos algoritmos, testadas e preparadas para a manipulação, os babacas tomam conta.
Quem se importa se eu sou progressista? Se você é um conservador com princípios, acha que tem sido realmente bem servido pela Bummer? Meus amigos conservadores evangélicos se veem de repente enfiados em comunidades nas redes sociais que apoiam um mulherengo ofensivo obsceno e abusador que ganhou fortunas em apostas e falências e que afirmou, oficialmente, que não precisa nem busca o perdão de Deus. Enquanto isso, meus amigos conservadores linha-dura, patriotas, veem-se agora alinhados com um líder que quase certamente não estaria no poder se não fosse por intervenções cínicas e ilegais de uma potência estrangeira hostil. Veja o que a Bummer fez com o seu conservadorismo.
A mesma coisa acontece com progressistas. Você se lembra dos Bernie Bross e de como se tornou bacana, em alguns círculos de esquerda, ridicularizar cruelmente Hillary Clinton, como se fazer isso fosse uma religião? Na era Bummer, não dá pra saber o que foi orgânico e o que foi maquinado.
É uma questão aleatória que a Bummer tenha favorecido os republicanos em detrimento dos democratas nos Estados Unidos, mas não é aleatório que essa máquina tenha favorecido os republicanos mais irritáveis, autoritários, paranoicos e tribais.
Todos esses atributos estão igualmente disponíveis na esquerda. Uma versão americana de Hugo Chávez, se tivesse existido, poderia ter se tornado presidente. Talvez isso aconteça no futuro. Eca.
Mesmo mais alinhado com a pauta progressista não acho que um líder estilo Bummer de esquerda seria melhor do que Trump. Degradação é degradação, qualquer que seja a direção de onde venha.
As maneiras como um candidato "artista do desastre" pode ser preferido pelo Facebook são bem conhecidas, embora os detalhes permaneçam difusos. Quando um candidato, ou qualquer outro cliente, compra acesso à atenção do usuário por meio da plataforma, o número de acessos não é determinado apenas pelo quanto é gasto, mas pelo modo, determinado por algoritmos, como o cliente também está promovendo e aumentando o udo do Facebook. Pessoas que trabalharam na estratégia de mídias sociais da campanha de Trump alegaram que ele ganhou centenas de vezes mais acesso´por um determinado gasto do que a campanha de Clinton, embora o Facebook alegue que não foi bem assim, sem revelar o suficiente para aclarar a história. Se havia um multiplicador, este provavelmente foi aplicado a compras de acesso realizadas tanto por agentes russos e outros grupos pró-Trump quanto pela campanha de Trump diretamente. Os algoritmos não podem se importar e não se importam.
Um detalhe interessante que veio à tona um ano depois da eleição é que o Facebook oferecera às campanhas de Clinton e Trump equipes presenciais para ajudá-los a maximizar o uso da plataforma, mas só a campanha do republicano aceitou a oferta. Se houvesse concordado em ter funcionários do Facebook em seu escritório, talvez Clinton tivesse vencido. A eleição foi tão apertada que qualquer coisinha que pendulasse para sua direção poderia ter modificado o resultado.
O Facebook e outras empresas Bummer estão se tornando o ransomware da atenção humana. Eles têm tanto controle sobre a atenção de tanta gente e por tanto tempo do dia que se tornaram os guardiões do cérebro.
A situação me lembra a prática medieval das indulgências, em que a Igreja Católica da época às vezes exigia dinheiro para uma alma entrar no céu. As indulgências foram uma das principais reclamações que motivaram a separação dos protestantes. É como se o Facebook estivesse dizendo: "Pague-nos ou você não existe."
É o início de uma máfia existencial.


BLACK LIVES MATTER
Depois que a política norte-americana perpetrou uma série de mortes horríveis de cidadãos negros desarmados, a reação de usuários sensibilizados das redes sociais, em sua maior parte, começou de maneira sábia, estoica e construtiva. É preciso dizer que, sem as redes sociais, correríamos o risco de nem sequer ouvir falar sobre essas mortes, sua prevalência ou suas similaridades.
De início, as redes sociais engendraram um sentido universal de comunidade. O slogan "Black Lives Matter" [Vidas Negras Importam] me pareceu no começo incrivelmente astuto e cuidadoso, por exemplo. Não uma maldição nem uma pancada, apenas um lembrete: nossos filhos importam. Suspeito de que muitas pessoas tiveram a mesma impressão, embora muitas delas viessem a ridicularizar o slogan não muito tempo depois.
"Black Lives Matter" apareceu e ganhou proeminência durante a típica fase da lua de mel do ativismo Bummer, e, como sempre, essa fase inicial foi promissora e parecia substancial. A máquina estava dando aos ativistas negros um canal de influência e poder. Mais dinheiro e poder para as empresas Bummer, é claro, mas também mais empoderamento para novos exércitos de usuários da Bummer. os dois lados saem ganhando, certo?
No entanto, durante essa mesma lua de mel, um jogo de poder mais profundo e mais influente estava sendo armado nos bastidores. O jogo que mais importava não estava à vista, ocorrendo na maquinaria algorítmica de imensos centros de dados ocultos espalhados pelo mundo.
Ativistas negros e simpatizantes foram cuidadosamente catalogados e estudados. Que palavras os estimulavam? O que os irritava? Que histórias, vídeos - qualquer coisa - mantinham-nos grudados na Bummer? O que os tornaria flocos de neve para isolados, pouco a pouco, do restante da sociedade? O que os levou a se tornarem mais sujeitos a mensagens de mudanças comportamentais com o passar do tempo? O propósito não era reprimir o movimento, mas ganhar dinheiro. O processo era automático, rotineiro, estéril e implacável.
Nesse meio-tempo, automaticamente, testou-se a capacidade de o ativismo negro preocupar, perturbar e até mesmo cativar outras populações, que foram elas próprias catalogadas e estudadas em seguida. Uma fatia inativa de supremacistas brancos e racistas que antes não eram bem identificados, conectados ou que não tinham adquirido poder foi descoberta e cultivada em meio à cegueira da máquina, de início apenas para ganhos comerciais automáticos, inconscientes - mas isso teria sido impossível sem primeiro cultivar uma fatia do ativismo negro da Bummer e calcular de modo algorítmico como enquadrá-la como uma provocação.
Por sua natureza, a Bummer foi aos poucos separando as pessoas em blocos e promovendo babacas, antes que os russos ou qualquer outro cliente aparecessem para tirar vantagem. Quando apareceram, os russos se beneficiaram de uma interface de usuário projetada para ajudar "anunciantes" a se dirigir a populações com mensagens testadas para ganhar atenção. Tudo o que os agentes russos precisaram fazer foi pagar à Bummer pelo que a máquina já fazia naturalmente.
O "Black Lives Matter" se tornou mais proeminente como provocação e objeto de zombaria do que como um grito por ajuda. Qualquer mensagem pode ser forjada para incitar uma determinada população se vândalos virtuais seguirem a tendência dos algoritmos.
Pouco a pouco, o racismo adquiriu na Bummer um grau de organização sem precedentes nas últimas gerações.
Quisera eu não ser obrigado a reconhecer esse desgosto. Grande parte do que acontece em um nível de usuário para usuário na Bummer é maravilhoso, desde que olhemos para isso e ao mesmo tempo ignoremos o quadro mais geral em que as pessoas estão sendo manipuladas pela Bummer. Para quem consegue traçar uma moldura pequena o bastante de modo a incluir apenas as coisas das quais as pessoas estão diretamente conscientes na máquina, isso vai parecer um arranjo excelente.
O Black Twitter é um ótimo exemplo. Trata-se de um meio e uma literatura distintos por si sós. É maravilhosamente invertido e expressivo. E virtuoso. O Black Twitter é muito melhor do que Trump, como se viu depois que diversos jogadores negros da NFL se ajoelharam durante a execução do hino nacional. Enquanto isso, as coisas fora da moldura de consciência do usuário são totalmente direcionadas a manter a subordinação do Black Twitter e a diminuir seu poder.
Quero celebrar o Black Twitter porque ele é brilhante. Mas preciso observar que é uma armadilha cruel. Espera-se que algum dia venha a existir algo semelhante ao Black Twitter dia venha a existir algo semelhante ao Black Twitter que não seja subserviente à Bummer e não seja criado para estudar secretamente as pessoas a fim de manipulá-las.
Quero estar errado sobre tudo isso, mas até agora a Bummer parece cada vez pior quanto mais se revela.
Um ano depois da eleição, a verdade começou a vazar. Constatou-se que algumas contas de ativistas "negros" proeminentes eram, na realidade, frentes falsas para uma guerra de informação russa. O propósito russo aparentemente era irritar ativistas negros a ponto de reduzir o entusiasmo para votar em Hillary. Suprimir o voto, estatisticamente.
Isso não significa que os russos tenham posto pensamentos na cabeça das pessoas de maneira clara ou consciente. Não significa que os indivíduos que foram alvo dessas campanhas tenham sido menos atentos, menos inteligentes ou menos determinados do que quaisquer outros. A maior parte do que aconteceu foi provavelmente a promoção "discriminada" do cinismo, uma atitude desdenhosa e uma sensação de desesperança ("discriminada" se refere a uma maneira sorrateira com que os bancos dos Estados Unidos historicamente induziram os algoritmos da credibilidade para crédito a fim de desfavorecer bairros negros). Não estou dizendo que as críticas a Hillary eram inválidas, ou que o eleitor era desinformado; o que quero dizer é que a emoção do eleitor foi ajustada só um pouquinho, o suficiente para aumentar o número de abstenções.
Não esqueça que o Facebook já publicou com estardalhaço uma pesquisa provando que a plataforma pode mudar o comparecimento às urnas. (126) Na pesquisa, o Facebook usou o alegre exemplo de estimular o comparecimento nos dias de votação. Mas, como tudo no Facebook se trata de direcionar e como a plataforma é capaz de calcular a afiliação política do usuário, entre muitas outras coisas, e como ela também já mostrou que consegue deixar as pessoas tristes, é provável que as redes sociais também possam ser usadas para suprimir eleitores visados por causa do modo provável que eles tendem a votar.
Nada disso implica que o Facebook prefere um tipo ou outro de eleitor. Isso depende dos clientes da plataforma, que não são vocês, os usuários. O Facebook não necessariamente sabe o que está acontecendo. Uma rede social está em posição mais vantajosa quando não sabe o que está acontecendo, porque assim ela ganha muto mais dinheiro e lida com menos culpa.
Jamais saberemos quais foram os testes algorítmicos feitos tanto pela abstenção quanto pela participação do eleitor em qualquer eleição específica, ou quais foram as lições aprendidas. Talvez certas palavas nos títulos, ou a substituição de certos anúncios adjacentes a determinadas notícias sobre celebridades, tenham melhorado as chances de deixar uma pessoa irritadiça, mas só se ela gostar de certos carros, por exemplo.
Tudo o que podemos supor é que uma empresa estatisticamente direcionada fez contínuas adaptações para otimizar seu desempenho.
Nem a Bummer nem os agentes russos precisavam se importar com o ativismo negro, de um jeito ou de outro. (Por acaso, indivíduos que trabalham em empresas são, em sua maioria, simpáticos ao ativismo negro, mas isso é de uma total irrelevância para o efeito deles sobre o mundo quando se adere ao modelo de negócio de manipulação em massa.)
A Bummer ganha mais dinheiro quando as pessoas estão irritadas, obcecadas, divididas e com raiva - e isso serviu perfeitamente aos interesses russos. A Bummer é uma fábrica de merda, transformando organizações sinceras em rupturas cínicas. É, em sua essência, uma trapaça cruel.
Ativistas negros têm todos os motivos para se sentir bem em relação a suas interações imediatamente perceptíveis na Bummer; nesse nível, há beleza e profundidade genuínas. Afinal, esse outro jogo nos bastidores não invalida o que é visível. Observar o panorama mais amplo só faz diferença quando observamos e entendemos os resultados finais.
Ativistas podem se sentir confiantes de que estão transmitindo sua mensagem, mas é incontestável que os ativistas negros sofreram sérias perdas de terreno nas esferas política e material e de todas as maneiras que importam fora da Bummer.
Como de hábito, após uma catástrofe induzida por algoritmo, muitas pessoas que foram traídas e usadas continuam a elogiar a Bummer;
Na eleição americana de 2016 foi uma conta chamada Blackativist, mantida pelos russos. Um ano depois das eleições, o verdadeiro poder por trás de Blackativist foi revelado e repórteres perguntaram a ativistas negros o que eles achavam disso. Alguns, felizmente, ainda se ultrajavam. Consta que um ativista respondeu: "Eles estão usando a nossa dor para o ganho deles. Estou profundamente indignado." Trata-se de uma declaração bem informada, razoável e corajosa, porque não é fácil aceitar ter sido enganado.
As pessoas tendem a racionalizar. Por exemplo, um advogado de direitos civis disse ao mesmo repórter: "Se alguém está organizando um evento que beneficia a responsabilidade e a justiça, não me importa quais são os seus motivos ou quem ele é." É uma racionalização típica de alguém que não olha para além da experiência familiar, em direção ao quadro mais geral onde o jogo da Bummer é disputado.
No fim das contas, o lucro da Bummer levou as redes sociais negras a elevarem, sem querer, uma nova ferramenta otimizada para a abstenção de eleitores. Como se já não houvesse ferramentas de supressão de eleitores suficientes lá. Como se o estabelecimento de distritos eleitorais que favorecem determinados candidatos, os postos de votação inacessíveis e as regras de registro tendenciosas não fossem suficientes.
Incutiu-se em muitos potenciais eleitores um sentimento não muito bom a respeito de Hillary Clinton ou de votar. Você foi um deles? Se foi, por favor, relembre. Viu alguma informação customizada para você antes da eleição? Usou o Twitter ou o Facebook? Fez muitas buscas on-line?
Você foi iludido. Enganado. Suas melhores intenções foram usadas contra você.



SE PELO MENOS ESSE JOGO JÁ TIVESSE ACABADO
Mesmo que a atmosfera de hoje em dia - esse inferno de insultos e mentiras - tenha começado a parecer normal, não era assim antes. Eu me preocupo com os jovens que estão crescendo nessa bagunça e acreditando que as coisas sempre foram dessa forma.
Enquanto escrevo este livro, surgiu um novo movimento social conhecido como #metoo, anunciando uma rejeição ao assédio sexual de mulheres. Os algoritmos da Bummer estão devorando tudo sobre o #metoo no exato momento em que digito. Como isso pode ser transformado em combustível para dar a algum imbecil, em algum lugar, o poder de perturbar alguém para que todos sejam mais engajados/manipulados? Como os ativistas serão incitados a se tornar menos solidários? Que possibilidades serão descobertas por manipuladores/anunciantes que estão peneirando/pescando maneiras de arruinar o mundo?