Houve um tempo que você não via muitos vídeos por aí e também não havia redes sociais. A gente navegava na internet e o que tinha pra ler era blogs e home pages pessoais, grande parte feitas no antigo geocities. Os servidores tinham seus blogs, como a uol com o zip.net e a ig com o blig. Nenhum deles existe mais, ficamos apenas na saudade dessa era dourada dos blogs. Durou bastante e sei que blogs ainda existem, mas não chega perto do que foram antes e eu nem tenho palavras pra explicar como era a sensação de quando chegava a hora da internet e a gente saía surfando na web noite adentro.
Quero ressaltar ainda, que naquele tempo, a gente não tinha corretor ortográfico nas páginas, quando você tinha dúvida sobre algo, era preciso abrir o word e escrever a palavra lá pra ser corrigida. Mas muitas pessoas não se davam ao trabalho de fazer isso e o resultado era centenas de blogs escritos com um português totalmente errado. E se até hoje as pessoas se importam com isso, deixo pra que você pense como era 500 vezes pior nos anos 2000, tempo esse que ninguém se importava em fazer comentário machista e homofóbico.
Nessa época, ali entre 2002 e 2009, era muito simples encontrar blogs. Na verdade, arrisco dizer que 80% do que vinha no buscador eram blogs. Talvez os blogs fossem uma rede social mais livre e independente, que não usavam algoritmos pra te persuadir, mas o caso é que nós visitávamos blogs interessantes dos quais eram indicados outros blogs e assim fazíamos a cadeia de lugares comuns pra dar uma passeada. No meu caso, eu pesquisava um assunto, encontrava blogs e voltava sempre pra ler. Esses blogs indicavam outros parecidos e eu também seguia. E dentre tantos blogs que visitávamos, havia aqueles estranhos, cheios de gifs que tornavam a leitura de tudo impossível, erros grotescos de português e assuntos muito estranhos. Fora quando os donos desses blogs não colocavam hello kitty em tudo, algo que me foge um pouco à compreensão pq aquilo fazia tanto sucesso.
Vamos a alguns exemplos do que estou falando:
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| Kantinho da Bombom |
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| Kompulsividade |
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| kriptys |
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| kda1comseusproblemas |
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| cifinha_bom_de_ideia |
| tentandoemagrecer |
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| nadiakitty |
Nenhum desses blogs estão mais disponíveis, infelizmente. Isso foi o que restou deles e eu resgatei no wayback machine.
Diante de tanta esquisitice escrita errada, com informações que nem sempre podiam ser verificadas e com a estética bem típica dos anos 2000 (mas bastante duvidosa até pra época), muitos desses blogs eram expostos. Hoje não vemos mais coisas do tipo "10 perfis do facebook que são um saco" ou "10 tipos de perfis que você encontra no facebook" ou a famosa "pérolas do orkut". Isso porque a estética das páginas foram simplificadas e existe corretor ortográfico. Além do que, checar a verdade se tornou algo até importante, embora a gente saiba que grande parte das pessoas ainda caem em golpes e charlatanices. Mas aí é outra história. Ao menos o maluco que escrevia que Hitler era da magia negra de esquerda não tinha atenção nem respaldo. Hoje em dia esses caras perceberam que as próprias pessoas intelectuais trabalharão de graça pra eles achando que estão informando sobre a verdade, mas nada mais fazem que compartilhar e viralizar conteúdo de maluco querendo faturar em cima da ingenuidade alheia. Pablo Marçal tá aí pra confirmar isso...
A exposição de blogs fazia bastante sucesso, assim como fez sucesso as listinhas com tipos de coisas que a gente encontra aqui e ali. Já foram populares e hoje caíram em desuso. E nesse contexto, surgiu o blog "Cemitério dos Blogs", cujo o seu criador, o Coveiro Zé, "enterrava" blogs como esses que trouxe de exemplo, Kantinho da Bombom, Malookinha, Linitchas, Crazy Panda e por aí vai. Se você quiser olhar o cemitério dos blogs, clique aqui. Ele não existe mais, só é possível acessar através do wayback machine.
Eu não sei quem foi o Coveiro zé, mas seu blog fez um imenso sucesso na época. Quando o volume das coisas que tínhamos pra ler na internet, grande parte se resumia a blogs, era muito interessante ver gente zoando com adolescentes carentes que criavam conteúdos com poesias desajeitadas, cópia e cola de bobagens na internet, recorte de suas vidas com coisas banais (como tirar xerox na faculdade, ver o sol se pôr, dormir no colégio) e por aí vai.Eu era jovem também. Nessa época eu ia pra faculdade e gostava também de visitar o blog que meus colegas escreviam, em grande parte porque eles escreviam coisas que aconteciam na sala de aula. Se eu soubesse que a internet se tornaria o que se tornou, teria aproveitado mais essa época. Não sou uma nostálgica que acredita que tudo deve ficar no lugar, não é isso. É só que antigamente não havia um algoritmo mandando no que as pessoas faziam, elas só faziam. Postavam o que dava em suas cabeças sem se preocupar nem mesmo se alguém "enterraria" seus blogs.
O cemitério dos blogs tinha um grande volume de visitas. Em 4 meses, conseguiu mais de 50 mil visitas. Parece pouco para os padrões de hoje, mas naquela época isso era impressionante.
Na época quem encontrou esse blog foi meu irmão. A gente entrava todo santo dia, esperando ver o próximo blog que seria "enterrado". Até que um dia apareceu os Vila Boys.
Claro que na época a gente achou isso muito cômico. Tratava-se de 6 caras jovens que andavam enturmados em uma vila da zona sul do Rio de Janeiro como se fossem uma boyband, mas eram só garotões que se achavam o máximo. Tanto que tiveram auto estima suficiente pra fazer uma página.
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| Os caras colocavam até as marcas que vestiam |
Provavelmente eram 6 playboys que talvez por terem um pouco de condições financeira melhor, ficaram famosos no bairro que moravam. Acredito que boa parte das pessoas presenciaram coisas assim na juventude. Não nesse nível, de nomear o grupinho como se fosse boyband, mas todo mundo deve ter visto um grupo mais popular de pessoas que andavam por aí e eram conhecidas.
Os caras postavam até o point que iam:
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| E pelo visto colavam bastante nessa antiga boate El Turf |
Vila Boys tinham seus singelos perfis e gostavam todos de "curtir a night":
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Basicamente consegui desenterrar assunto de 20 anos atrás. Vila Boys hoje devem ser homens quarentões, talvez casados, com a vida resolvida, não dá pra saber. A única forma de ver a antiga página ou o que sobrou dela é aqui, através do wayback machine. O passado é passado, o que tá feito, tá feito. Só podemos lembrar que foi, antes de tudo um tempo muito bom pra navegar na internet.
Esse Vila Boys, por alguma razão nunca mais me saiu da cabeça. Na época achei isso muito engraçado e fiquei anos tentando encontrar a página dos moços novamente sem sucesso, até lembrar do nome do blog Cemitério dos Blogs. Essa era uma época em que se usava internet, mas também se saía pra curtir a night.
Era uma época que, devido a um algoritmo pra ditar o que fazer e o que não fazer, as pessoas arriscavam e muito simplesmente fazer o que lhes dava na cabeça.
Vejo que hoje timidamente, muitas pessoas postam conteúdos criticando redes sociais e até fazendo um esforço pra que as cidades digitais voltem a imperar. Não é vontade de que tudo seja como antes, é apenas para que a web não se perca nas mãos dessas big techs.
Não espero que alguém dos Vilaboys achem esse blog, ou o coveiro zé, do qual nunca mais ouvi falar mais nesses longos anos de internet. Eu não sei se ele tentou se reciclar e produzir outros tipos de conteúdos. Mas quero deixar aqui meus agradecimentos, por ter feito aquela época tão feliz.

























