quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Esqueça a dopamina

 

Quando encontro algo sobre vício em redes sociais, abro pra ler confiando que haverá boas informações. E às vezes tem mesmo. Tem muita gente produzindo bons conteúdos e bastante informativos. Porém, esse do vício e crítica às redes sociais é bem esquisito. Isso porque, os queridos que escrevem essas coisas ou fazem vídeo tentando explicar o que nos torna viciados nas redes sociais, sempre investem no argumento da dopamina, algo que todo mundo tá careca de saber. Funciona assim, você encontra um assunto legal sobre vício em rede social num canal qualquer e ele gasta 5 minutos te explicando que tudo isso só ocorre graças à dopamina e blá blá blá. Esse cara copiou de outro, e de outro e de outro. Aqui quero fazer diferente. Quero falar de vício em redes sociais do ponto de vista de uma pessoa que já foi viciada nessas merdas, mas sem usar nada de científico. Você já deve ter ouvido em algum canal por aí algo sobre dopamina. Não preciso repetir aqui porque acredito que é algo que filosoficamente precisamos explorar e pensar sobre sem ficar procurando resposta em bioquímica. 

Todos estão carecas de ouvir explicações de bioquímica. Se há um vício, tem algo desregulado ali. A grande questão é como podemos controlar e parar com o vício. Acredito que a grande maioria tentou não perder horas da vida nas redes mas não conseguiu. Eu fui uma delas e não vendo muita saída, deletei as redes e nunca mais voltei. Foi o único jeito pra mim, até porque a ideia não é só reduzir, mas sim parar completamente de dar força a essas plataformas. Elas são perigosas e inescrupulosas, já se sabe que causaram genocídios, golpes de estado, já ajudaram a eleger políticos de extrema direita e são responsáveis também por países retrocederem suas leis baseado apenas em opiniões vazias.

Você não está na rede social pra socializar e sim pra ser leiloado, vendido, usado e minerado. Você pode até ouvir seu influencer com doutorado esclarecer sobre alguma desinformação que viralizou, mas lembre-se que antes de mais nada, foram as redes que permitiram que aquela pessoa que antes ficaria na marginalidade social, simplesmente fosse ouvida por milhões. É como tentar resolver um problema que você não pode e que um motor infinitamente maior e mais poderoso está se esforçando pra tornar conteúdos execráveis em tendências opinativas. E claro, seu influencer com doutorado, por mais nobre que seja a intenção, fará exatamente o que o algoritmo espera dele, solucionar um problema que a própria plataforma criou.

As plataformas sabem que brigas, conteúdo duvidoso, gente respondendo fulano e beltrano, viralismo estranho e todo tipo de futilidade gera muito engajamento. Você fica viciado, quer saber mais e mais sobre aquilo e eles te dão o que te gera muito prazer. E será mesmo que só a dopamina explica isso? Será mesmo que esses caras que aprenderam a te adestrar fazem isso apenas contando com a dopamina? Você acha que esses caras não conhecem a questão da criação de hábitos e validação social? Acham que eles ignoram que isso te dá uma espécie de recompensa social? Acha que eles, com muita má fé, não se aproveitam de sua ansiedade, sua solidão, seu tédio e seu estresse pra te empurrar um conteúdo que te consola? Acha que eles não manjam nada sobre engenharia comportamental como a rolagem infinita, vídeos com autoplay, notificações e algoritmos covardes que te mantém preso empurrando todo tipo de merda inútil? E suas emoções negativas? E a questão humana do habito automático? Você acha mesmo que esses caras não dominaram tudo isso pra gamificar as redes te oferecendo biscoitinho e depois vão empurrar tudo pra conta da dopamina?

Quando você quer parar de usar rede social e tem esse choque de realidade, é também a dopamina que está controlando essa retomada de bom senso. Quando você recobra o senso de moral, a dopamina é um dos neurotransmissores por trás disso, mas eu não quero entrar em detalhes. Não tomamos nossas decisões baseada em bioquímica. Não que não seja importante saber disso, mas acreditar que um tal de jejum de dopamina (seja lá o que for isso), possa ser solução para seus problemas, é uma coisa no mínimo de se questionar.

Queria saber por que quando se fala em vício em álcool ou em cigarros, ninguém fica te empurrando essa merda de dopamina. Ninguém fica abrindo livro de bioquímica e nem citando nome de neurotransmissor. Simplesmente as pessoas levantam problemas sociais que provavelmente te fizeram entrar nesse vício. No caso do álcool é muito comum ouvir relatos de pessoas que falam que se envolveram culturalmente em um hábito aceito socialmente e por algum motivo, quando algum episódio da vida ficou obscuro demais, ela se tornou viciada. Ninguém fica falando de grelina, cobalamina, dopamina, gaba, glutamato, serotonina e por aí vai... Saber disso, interfere no que mesmo? Você não pode controlar essas coisas, assim como não tem controle de quando tem vontade de cagar e mijar.

Uma analogia que faço é com aquelas pessoas que, novamente, como se ninguém tivesse careca de saber disso, insistem no ponto de que nosso corpo não quer perder peso porque evoluímos pra guardar energia. E aí começam a falar na longínqua vida do ser humano nas savanas, tempo esse que era difícil conseguir comida e abrigo. A solução, claro, é sempre medicamentosa. Você não vê essas pessoas falando sobre questões de antropologia e cultura, sobre o sistema vigente que vivemos e nem de políticas públicas. Por exemplo, o índice de obesidade no Japão é baixo. Será que isso ocorre porque há algum plasma sagrado no sangue dos japoneses que os impede de engordar ou porque a cultura alimentar pode explicar isso muito bem? Será mesmo que a gente vai sempre ficar à mercê dessas explicações que, ok, estão corretas, mas não são explicações finais sobre o comportamento humano?
Será que taxar essas empresas que fazem ultraprocessados e dificultar o acesso a essas merdas não resolveria uma parte considerável do problema? Incentivar esportes e melhorar o acesso urbano para as pessoas se deslocarem a pé, de bicicleta e outros veículos simples como skate e patins não seria também desejável? Criar mais parques, acesso ao lazer e educação de qualidade não seria uma ideia melhor do que gastar um rio de dinheiro tentando solucionar um problema que em parte essas big foods criaram?

Eu sei que o mundo ideal é bem diferente de pessoas que estão precisando. Eu não sou contra medicamentos, afinal, se o problema foi criado é preciso resolver. Mas é muito difícil de conter o avanço de qualquer coisa quando o problema não é resolvido na fonte. E não, eu me recuso a me conformar que não tem nada a ser feito.

Comprar essa ideia de dopamina é querer tapar um buraco de algo mais sombrio. Precisamos sim fazer alguma coisa, caro leitor. Esqueça essa história de dopamina. Pense nos ganhos ou perdas que você teve de acumular like e expor sua vida pra todo mundo. Pense que talvez, aquele desentendimento que você teve com seus amigos e familiares não teria existido se você não tivesse rede social.

Uns anos, quando ainda tinha orkut, um amigo do meu ex veio me xingar. Usou um scrap pra fazer isso e ainda do perfil da funcionária dele que era minha amiga. É claro que ele está errado e desde esse dia, nunca mais falei com ele, nem meu ex. Mas se não tivesse rede social pra me xingar, o que ele faria? Vomitaria os injustos insultos dele na minha cara? Difícil saber. Isso porque estou falando de uma rede social que não tinha um algoritmo ditando seu comportamento, as pessoas faziam as coisas conforme lhes davam na telha. Imagine nos dias de hoje, eu penso que seria bem pior. Talvez ele faria um vídeo meu me xingando publicamente...

Todos nós queremos validação social, mas as redes levaram isso pra outro nível. Os comportamentos comuns, eles potencializam pra você acreditar que sua vida está ali dentro conectado. Eu acredito que num futuro próximo, não saberemos explicar direito como permitíamos que uma empresa fizesse tal coisa com a gente, sondasse nossa vida, tirasse a privacidade, nos deixasse viciados e destruíssem nossa saúde mental. Esse estudo aqui diz que gastaremos 25 anos de vida nas telas dos celulares. É no mínimo de se pensar.

Pra quem não vê problema nenhum em estar lá conectado, francamente, eu não me importo. Vá na fé, siga com o que você acredita e se joga. Mas se você é desses que vê muitos problemas, sente que algo vai errado e repensa sobre seus hábitos, considere deletar sua rede social. Você vai ver que não fará diferença nenhuma na sua vida, nem na de ninguém, o máximo que você recobrará é sua saúde mental. 






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