Eis uma série que eu recomendo chamada "Black Mirror". Eu fiquei realmente assustada com aqueles cenários distópicos que nos faz refletir para onde estamos caminhando com a tecnologia.
Eu não sou muito de séries, não gosto de fazer maratona e até aqui eu imagino que você deve pensar que eu sou uma chata incurável, mas é apenas paciência que eu não tenho muito. E quando tento acompanhar a série pela TV, eu desisto no terceiro ou quarto episódio, então, séries nunca foram meu forte.
Porém, uma amiga insistiu que eu assistisse essa série, ela disse que era a minha cara, afinal, eu sou dessas que gosta de analisar o lado obscuro da tecnologia. Como a série é curta, eu assisti todos os episódios disponíveis até o momento (sete no total). Claro que virei fã dessa sombria série, que me deixou bastante assustada e decidi compartilhar com vocês o que eu aprendi com cada episódio.
****Contém Spoiler****
1) Qualquer bobagem é capaz de nos entreter
No episódio "Hino Nacional", a princesa da Inglaterra é sequestrada por um grupo de terroristas e ao invés de exigirem pagamentos ou presos libertos, eles pedem que o ministro transe com um porco em rede nacional. Claro que é um pedido absurdo e constrangedor, o ministro não cede no início, mas acaba fazendo isso, sem nenhuma saída. Porém, trinta minutos antes do ato, a princesa já tinha sido liberta e ninguém se deu conta porque estavam todos assistindo a degradante cena do ministro transando com um porco. Ou seja: damos atenção para mesquinharias, nos importamos com tolices e entramos na onda de todo mundo.
2) A internet rouba nossos sentimentos
Nesse mesmo episódio "Hino Nacional", o ministro quis que o vídeo ficasse em segredo, mas como foi publicado no facebook, após ser retirado, milhares de usuários fizeram cópias e publicaram, sem o menor pudor. A notícia se espalhou e o mundo inteiro já sabia do incidente. Isso me fez lembrar diversas histórias que rapidamente se espalharam pela rede social e ficaram famosas, como, recentemente de um médico que debochou de um paciente por ele falar "peleumonia". Quanto mais em alta está a notícia, mais temos coragem de expor e falar dela, seja bom ou ruim. Isso me lembrou um artigo da revista Superinteressante, onde explica que quanto mais amigos temos no facebook, mais ficamos agressivos. Elementos como narcisismo e competitividade, tornam esse comportamento cada vez pior e quando você tem um rio de pessoas que concordam com você, a coisa afunda de vez. As pessoas gostam mesmo de ver outras se ferrando, eis a verdade.
E antes que me perguntem, não eu não estou defendendo o médico que teve a infelicidade de cometer essa maldade com um paciente que confiou nele. Só estou alegando que a internet tem o poder de multiplicar qualquer coisa que você posta e você não pode confiar em absolutamente ninguém. Portanto, cuidado com o que você posta em grupos ou fala por aí. Pense e tente ser mais humano. Evolua.
3) Gastamos dinheiro com futilidades que não existem
No episódio "Quinze Milhões de Méritos" vemos uma realidade distópica - e espero que nunca exista - de pessoas escravas que pedalam nas bicicletas para gerar energia e ganham pontos aos poucos, dos quais serão usados para comprar comida, itens básicos e todo tipo de futilidade possível para preencher um avatar. E por acaso não é o que fazemos quando compramos itens de joguinhos e programas bobinhos em shoppings virtuais? Nós já sabemos que consumismo é uma doença. Sabemos que boa parte do nosso dinheiro é gasto com futilidades, mas imagine viver em um mundo onde a coisa chega a um extremo de pouco se importarem com o frescor do planeta para comprar itens para um avatar e... Ops... Acho que isso se assemelha um pouco com o que fazemos, não?
4) Programas de entretenimento além de fúteis, descobriram uma fórmula para te manipular
Em "Quinze Milhões de Méritos", tomamos conhecimento de que a esperança para os amiguinhos das bicicletas é um programa de reality show semelhante ao "American Idol", onde você tem que se expor para milhares de pessoas e passar um tremendo ridículo aguentando jurados mal humorados que só pensam em te humilhar. Não importa se você tem talento, esses programas sempre vão exaltar o seu pior lado. A humilhação faz parte, cortar todas as suas esperanças também, afinal, querem te fazer acreditar que você nunca será bom o suficiente.
5) Preferimos viver uma farsa ao invés de aproveitar a vida real
Ainda no "Quinze Milhões de Méritos", provamos um pouco do gosto amargo do que é ser, além de manipulados, termos nossas esperanças destroçadas em nome de besteiras e futilidades. O ator principal se apaixona por uma garota que conhece nas bicicletas e se encanta pela voz dela, acreditando que ela pode ser uma estrela. Então, ele se dispõe a ajudá-la comprando um ingresso para que ela participasse do reality show, mas não contava que os jurados a manipularia para que ela se tornasse uma atriz pornô, afinal, cantores são mais do mesmo. Ele quis um dia provar algo real, pegou na mão dela e acreditou que isso poderia mudar algo. Porém, foi um engano, ele não conseguiu dizer a ela tudo que queria e também não quis dar nenhuma chance de interação a uma outra garota que estava interessada em se aproximar dele. No fim, ele se revolta e vai ao programa falar umas poucas e boas para os jurados e para sua surpresa, os jurados acabam gostando do que ele disse e oferecem a ele uma vida melhor em um cubículo maior. Se ele quisesse viver qualquer coisa real, por que não permitiu a si mesmo de se aproximar de todas as pessoas? Isso acontece na nossa vida hoje onde perdemos chance de estar em algum lugar para ficar jogando ou fazendo qualquer atividade on line.
Eu me lembro que quando fui ao show de uma banda famosa. Eu e o meu ex namorado, na época combinamos que tiraríamos duas fotos para guardar conosco e foi o que fizemos, aproveitando o show. Eu me pergunto, quem consegue aproveitar 100% algo com a preocupação em conseguir uma imagem digital?
6) Nós já somos indeléveis
Tudo que você posta na internet, fica lá. Não importa que você delete, será armazenado em algum lugar e você não tem uma garantia que seus dados não perambulem por aí. Uma vez eu deixei um email antigo meu como resposta no site "Yahoo Respostas" e muitas pessoas me escreviam pedindo ajuda eu precisei deletar o email porque a minha resposta do Yahoo não tinha como ser apagada. Atualmente o facebook disponibilizou um recurso de lembranças, onde mostra o que aconteceu "neste dia" nos anos que você esteve conectado. Eu que mudei minha opinião às vezes sinto vergonha de tantas bobagens que eu escrevia antes e pior: deixava tudo público.
Armazenar nossa memória é bom? No episódio "Toda a sua história", as pessoas usam uma espécie de grão que guarda absolutamente toda memória do que as pessoas fazem. Não bastasse isso, elas ainda podem exibir em uma TV. É aí que um homem desconfia que sua esposa o traiu e vai investigando toda sua memória até que por fim ele vê que suas desconfianças estavam certas. Considerando que muitos casais terminam o relacionamento por causa das redes sociais, é hora de relembrar tudo que você andou postando, pois nós mudamos de opinião e nossas memórias registradas podem nos prejudicar.
7) Registramos nossa vida na internet e ela é mais falsa que verdadeira
No episódio "Volto já", uma mulher perde o marido em um acidente e para superar o trauma, aceita usar um serviço de inteligência artificial que conversa com ela baseado nas informações que seu marido deixou nas redes sociais. Ela fica empolgada, impressionada com a realidade do serviço até que descobre que a memória dele pode ser inserida em uma espécie de robô com as mesmas características do marido. Mas com o tempo ela descobre que aquele não era ele e que boa parte das informações que deixamos nas redes, não é real. Isso diz muito sobre o que fazemos. Eu conheço pessoas que não possuem uma vida tão feliz, mas aparentam gozar de plena felicidade nas redes. Também conheço quem é bastante feliz e consegue viver uma ótima vida mas diz que está deprimido nas redes sociais.
A quem queremos enganar? Não enganamos mais ninguém...
8) Gostamos de ver as pessoas na pior
No episódio "Urso Branco", vemos uma mulher acordando em um quarto sem se lembrar de nada que aconteceu. Ela sai para fora e vê muitas pessoas com o celular na mão fotografando e olhando pelas janelas. Tenta dialogar com elas, mas ninguém responde, quando do nada surge um homem querendo matá-la. Quando ela foge desesperada pedindo ajuda e todos estão apáticos sem fazer nada e só ficam filmando seu desespero, ela encontra uma mulher no caminho que lhe diz que o mundo ficou maluco e os caçadores matavam pessoas vulneráveis e os outros acompanhavam tudo como bons voyagers. Ela não se conforma que ninguém atende ao seu sofrimento, ao invés disso, preferem tirar fotos.
Ao que parece, o sofrimento alheio é um deleite para nós, sendo criminoso ou não. No caso da mulher perseguida, ela foi condenada por participar do assassinato de uma menina e foi forçada a perder sua memória, então sendo assim, como ela saberia o que as pessoas queriam dela? Como sentiria o peso da justiça em seu colo se retiraram sua memória? E assistimos tudo quietos, filmamos, gravamos, opinamos... Não nos importamos com as pessoas. Existem casos de crimes em que a vítima é tão exposta na internet que pode colocá-la em perigo maior. Mas quem se importa, não? O que vale é proteger nossa conduta moral, nossos rios de likes garantidos.
Inclusive, li um texto com uma interessante analogia a esse episódio do Black Mirror.
9) Somos muito "corajosos" diante da tecnologia
Eu me considero uma boa pessoa. Tenho meus princípios, meus amigos, meu namorado e tudo isso é problema meu. Eu não tenho interesse em prejudicar ninguém e não me sinto dona de qualquer moralidade suprema para impor aos outros o que eu acho correto ou para julgar o que os outros fazem. E é por isso que eu evito dar lição de moral. Digo que evito porque esse blog é um espaço em que eu faço o possível pra refletir sobre as redes, mas não deixa de ser algum tipo de moralismo.
Porém, existem pessoas que realmente são péssimas. Quem não conhece o cara que bebe até cair numa balada, fala um monte de bobagens, não pensa nas consequências, mas está lá dando lição de moral nos outros, alegando que certas coisas não são para pessoas "de bem". Do mesmo modo que está cheio de gente "de bem" que adora xingar os outros, falam com arrogância e soberba, mas vivem em uma cúpula de hipocrisia.
No episódio "Urso Branco", descobrimos que a mulher perseguida é uma assassina e todos estão ali assistindo o palco da justiça, sentindo prazer em vê-la sofrer. Uma pessoa que nem se lembra de seus atos. Dado momento, eles sugerem que as pessoas fiquem bem longe, pois ela pode ser perigosa.
Ela? Oi?
Desculpe, mas uma sociedade que vive de julgar os outros e praticam todo tipo de linchamento moral on line, não pode ser considerada justa. Perigosos somos todos nós.
10) Normalmente não temos muita coragem de xingar de verdade
Insultos e xingamentos estão por toda parte nesse mundo virtual que habitamos também. Nossa essência muitas vezes fica presa aqui e não nos damos conta disso. Ou simplesmente deixamos escapar o nosso pior lado porque parece que muita gente é corajoso na internet. É virtual, você não está em um contato real com a pessoa do outro lado da tela e por isso, muitas vezes criamos uma certa coragem que não temos na vida real. Não é de se estranhar que amizades sejam desfeitas, namoros e casamentos terminados, empregos perdidos e relações sociais cortadas por conta de bobagens que falamos nas redes sociais. Nem todos possuem boa mentalidade para lidar com certas questões, então é preciso cuidar bem do que se diz.
11) Clichês e mesmisses fazem sucesso e se elegem!
No episódio "Momento Waldo", vemos uma coisa incrível: um ursinho mal desenhado, sem qualquer traço artístico que o diferencie de algum outro desenho de qualidade, controlado por um comediante que só fala palavrão fazer sucesso. O artista por trás dele estava desiludido, obviamente que eles só queriam dinheiro e badalação ao invés de qualquer show artístico e por isso, qualquer um poderia controlar aquele boneco falando bobagens.
Uma vez eu me peguei me perguntando o motivo de um desenho bobinho como a Pucca fazer sucesso. Ou coisas tipo teletubbies. Talvez por serem bobinhos façam sucesso, o que nos leva a crer que, basta uma ideia simples e um clichezinho para criar algo que dê certo, contando ainda com o efeito manada. Pode ser algo mal feito e simples, como o caso de South Park: só precisa conter a fórmula do escracho e do ridículo, o que me faz lembrar uma fábula de Monteiro Lobato chamada Qualidade e Quantidade.
Nessa mesma linha, temos os youtubers, que gravam vídeos falando as bobagens mais inúteis sem qualquer fundamento. Até aí ok, afinal, precisamos de entretenimento. E esses youtubers, não satisfeitos, lançam livros, camisetas, chaveiros, canecas e eu particularmente não acharia estranho que também concorressem à carreira política, como fazem tantos "artistas" e figuras públicas e são bem votados! É o típico voto cacareco. Com a política suja e as pessoas cansadas, acontece esse tipo de coisa: a esculhambação vence porque há muito tempo ninguém consegue levar a política muito a sério. Eu não tenho dúvida que se um desenho animado se candidatasse (se fosse permitido), seria pelo menos muito bem votado, como o que aconteceu no episódio do Waldo. E aí acabaria elegendo pessoas mal intencionadas que talvez não teriam ganhado se o fator fictício-falador-de-bobagens não tivesse se candidatado.
PS.: Gosto de Pucca e South Park, já me renderam bons risos. Mas ninguém me convence que aquilo é o mínimo que eu possa chamar de bela arte. Apesar de gostar eu me pergunto: por que isso faz sucesso, gente?
12) Não nos importamos conosco
No episódio especial "Natal", vemos uma cena curiosa: duplicam nossa memória, contendo nossa essência e nossas informações para que esse pobre infeliz desse clone se torne uma espécie de "escravo pessoal". E deixam todos os sentimentos nele, como tédio e medo. Rendido, esse pedaço de ser humano passa a trabalhar para o seu 'eu' original.
Claro que eu não acredito que uma boçalidade dessa seria possível, mas se fosse, eu jamais faria. Eu sei que eu preferiria o suicídio do que viver em função de alguém, e mesmo assim, não haveria possibilidade de me matar. Esse é um caso drástico. Mas se analisarmos, muitas vezes esquecemos um pouco de nossa essência nas redes sociais. Comemos sem prestar atenção na comida e olhamos para o celular, às vezes atrasamos trabalhos e estudos para ficar na internet, há quem prefira ficar em casa fazendo maratonas de séries do que curtir um momento com os amigos... E existem casos curiosos de pessoas que sequer conseguem mais ler um livro porque sofrem um certo grau de abstinência se saírem um pouco da rede social.
Hora de prestarmos um pouco de atenção em nós, certo?
Conclusão
Obviamente há trocentas coisas que eu poderia falar de Black Mirror fazendo alusão com nossa vida real, mas listei o que eu realmente consegui traçar uma analogia. Se colocar em primeiro lugar e fechar a rede um pouco não faz mal a ninguém.
Ah sim, e antes que eu esqueça, esse blog não é contra o uso de nenhuma rede social, apenas me disponho a escrever para quem tem interesse em reduzir o uso das redes.
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