quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Sobre o google ser uma Vila de Potemkin, os Anéis da Web (webRings) e os Youtubers processando informação

 

Quando o marechal Gregório Alexandrovich Potemkin quis impressionar sua amante Catarina, a Grande, levou-a para conhecer uma aldeia falsa na Crimeia em 1787. Tudo ali era fachada para impressionar sua amada com uma falsa cidade, toda bonitinha na frente, mas escondida atrás de um cenário.

É provável que essa história também seja falsa. Não existe evidência alguma de que esses eventos tenham de fato acontecido, mas a vila de fachada é usada hoje para descrever conceitos falsos como o buscador do google. 

Um youtuber fez uma pesquisa escrevendo a palavra "pizza" no buscador da google:

 

Mais de 1.000.000.000 de resultados. Legal né? Seria se não fosse completamente falso.

Fiz a mesma pesquisa e como no vídeo vamos rolando as páginas, empilhadas de 10 em 10. Faça um teste.

Cada página seguinte é mostrada de 10 em 10.

Se você for até o final, verá que não existe 1 bilhão de resultados, mas no máximo 322 ou menos:

Você deve estar pensando: Ok, você precisa repetir a pesquisa incluindo os resultados omitidos. 

Quando fazemos isso, no entanto:

As pessoas começaram a reparar nisso e nomear o google de Vila de Potemkin, pois a quantidade de resultados que o google diz que trazia eram fake. A internet é grande, sem dúvidas há muito mais páginas sobre pizzas e qualquer outro assunto que imaginemos, embora aquela internet primitiva por certo esteja morrendo.

A google, vendo que foi desmascarada em um vídeo viral, retirou a quantidade fake de resultados. Se você fizer uma pesquisa hoje, verá que não aparece mais 1.000.000.000 de resultados.

Eu sinto muita falta de ler blogs e ainda acompanho os raros casos que ainda fazem postagens. Mas o google não os mostra mais nas buscas. É notório que blogs, aqueles antigos e quase nada da antiga web é mostrada no google. Ele suprime resultados com critérios que nós não sabemos.

Você pode comprar relevância nas pesquisas, como faz o Brasil Paralelo ou sites como Canaltech. Portanto, é louvável se você deseja usar outros buscadores. Eu indico o Fuck Off Google. Você pode configurar de onde você quer buscar. No meu caso, eu peço para ele também trazer resultados do wiby.

É claro que você não vai abrir 300 links no mesmo dia, a menos que te sobre muito tempo e vontade. Mas aquele velho antigo conceito de "surfar na web" parece não fazer mais sentido nos dias de hoje e precisamos admitir que era uma coisa muito legal. Hoje em dia, conforme já publicado aqui, a informação nos chega de forma ultraprocessada, de um modo que a gente não consegue lidar com tanta coisa ao mesmo tempo.

Essa matéria da Folha de São Paulo é de 13/08/97. A jornalista fala de um modo até desesperado sobre os anéis da web ou webrings, que funcionava muito bem na internet primitiva, que conforme eu disse anteriormente, hoje está morrendo.

Quem navegou na web naquele tempo, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, provavelmente tem uma lembrança de encontrar um site e através dele encontrar um outro e outro ou até mesmo dentro de um mesmo site surfar em links que te levavam para dentro dele mesmo.

Com o tempo, você tinha salvo em seus favoritos os lugares que você gostava de visitar, acompanhar e todas as vezes que abria a internet visitava mais ou menos as mesmas coisas, mas claro, sempre tinha algo novo a ser descoberto.

Se hoje você fizer, digamos, uma pesquisa pelo YouTube, não é estranho que apareça sempre canais muito parecidos, falando sempre as mesmas coisas, com o mesmo tipo de linguajar, referenciando sempre os mesmos vídeos (normalmente aqueles que se tornaram virais).

Por exemplo, se Borboleta for um assunto de relevância no momento, todos os youtubers falarão da mesma coisa, da Borboleta, referenciando o vídeo ou onde nasceu o assunto Borboleta. É como se tudo já estivesse pronto e definido para você.

Mas nem sempre foi assim. Tudo era como cidades independentes onde escrevíamos o que bem entendíamos sem precisar pensar em algoritmos manipulando tudo. 

Hoje nós nos dobramos aos algoritmos. Os youtubers, que tenho a impressão de já terem sido mais livres no passado, seguem sempre um mesmo ritual. Fazem uma abertura, criam vinheta (que até hoje eu não sei pra que serve), choram seu like, seu dinheiro (mesmo que recebam 6 dígitos em dólares da plataforma), enchem o saco com recadinhos idiotas que ninguém quer saber, fazem uma publicidade da super camisetaider que custa caro porque precisam sustentar 6000 famílias de podcaster, fazem aquela chantagenzinha básica pedindo seu dinheiro pro canal continuar, compartilhamento, inscrição...

Só então entram no assunto do vídeo que de originalidade não tem nada. Você tem a impressão de que já viu outro fulaninho falar quase a mesma coisa que ele. Claro, ninguém precisa necessariamente ser original, mas muitas vezes a crítica já vem baseada na opinião que outra pessoa deu e assim funciona todo o fluxo. Muitas vezes eles começam com fórmulas como "eu não ia falar sobre isso" (na verdade ia sim) porque, cá pra nós, o YouTube induz você a postar o que está dando relevância. 

Além do mais, o YouTube desmonetiza certas palavras feias que todo adulto não pode ouvir não é mesmo? Tipo racismo, estupro, suicídio... 

Na antiga web, não é que a gente encontrasse informação de extrema qualidade. Nada disso. Eu sinceramente não entendo direito como é que parece que as coisas desapareceram de um dia para o outro. Mas até hoje, é importante entender que não precisamos dessas big techs pra criar nada, nem pra opinar. Criadores podem criar sem depender de big tech nenhuma. Só você e seu processo criativo.

Eu sei o que muitos pensam, que eu falo isso enquanto escrevo em um blog do google. Eu concordo, por isso estou dando um jeito de levar isso pra uma página pessoal. Sem dúvidas não precisamos também criar tudo em um local só, embora o blogger seja uma ótima ferramenta, que ainda costuma funcionar como era antes.

Tem o problema de visualização. As pessoas hoje querem viver de internet. Eu conheço pessoas que queriam publicar suas ideias, escrever... Mas não fazem isso porque acreditam que não se expressam muito bem. Eu sou uma dessas pessoas e é pra isso que me presto a escrever. Primeiro porque ainda acredito que blogs funcionam muito bem e depois que eu não preciso me submeter às regras do YouTube pra gerar informação.

Nós nos esquecemos do básico. Aquele básico que funciona, aqueles conceitos que sempre estiveram aí e foram se sofisticando como os anéis da web, mas que atendem muito bem o propósito da comunicação livre (e eu digo livre, sem precisar de uma big tech dizendo o que fazer e o que você precisa ver).

Antigamente, procurávamos livremente por informação pela internet, hoje tem gente que paga um clube de livro só pra receber recomendação de leitura do influencer. Francamente... Você acha mesmo que precisamos disso?

Eu sei que muitas pessoas vão preferir ouvir um conteúdo do que ler. Eu também escuto podcast e entro no YouTube. Mas tenha em mente que a internet é um horizonte muito, muito vasto e há muita informação por aí que vai além das fronteiras do que somente o que o google ou a Meta quer que você veja.

Eu tenho fé que nós não deixaremos a boa e velha internet morrer. Qualquer assunto pode ser escrito e compartilhado, criticado e falado sem nenhuma necessidade que uma big tech processe isso.